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18/05/25

Resenha de Jean-Pierre Deschepper em ocasião do lançamento do Tomo I das Obras completas de Jean Meslier em 1970



Jean Meslier, Obras Completas, Tomo I, Memórias dos pensamentos e sentimentos de Jean Meslier. Prefácios e notas de Jean Deprun, Roland Desné, Albert Soboul. Edição animada e coordenada por Roland Desné. Paris, Éditions Anthropos, 1970.
 
por Jean-Pierre Deschepper
Fundo Nacional Belga para a Pesquisa Científica (F.N.R.S)
 
Tradução de Paulo Jonas de Lima Piva
Universidade Federal do ABC (UFABC)
 
 
Voltaire patrocinou o resumo mutilado de uma parte da obra e contribuiu para espalhar o nome daquele que a Convenção declarou ter a honra de ser “o primeiro padre que teve a coragem e a boa fé de abjurar os erros religiosos”: o cura Jean Meslier (1664-1729), o comunista ateu de presbitério. Contudo, ele permaneceu muito pouco conhecido, pois sua obra principal, sua Memória, que na sequência de Voltaire continuou a ser chamada impropriamente de seu Testamento, não conheceu senão uma edição, e limitada, em 1864. O homem, sua obra e seu pensamento não podem contudo senão suscitar o interesse, e é o mérito da presente edição, que compreenderá três volumes e da qual este é o primeiro, nos permitir estudá-los enfim como convém.

Eis então esse primeiro volume, contendo uma parte da Memória. Mas  antes mencionamos os três prefácios que, em mais ou menos 130 páginas, fazem um balanço do caso Meslier.

Em O homem, a obra e a reputação, o senhor Roland Desné expõe a vida e o pensamento de Meslier e os problemas que eles levantam, e que o exame dos arquivos e de múltiplos documentos nos permitem precisar e renovar. O personagem parece simples: ele não se mudou, durante toda a sua vida, de Etrépigny, aldeia situada perto de Mézières e onde ele foi nomeado cura logo após o seminário. Ali ele se nutriu de autores dos séculos XVI e XVII, aguçou sua reflexão e compôs na solidão do fim de uma vida clerical, à revelia de todos, uma longa memória à qual ele confiou seu pensamento, ao mesmo tempo ateu e comunista: fenômeno novo, pois tradicionalmente o ateísmo era aristocrático, enquanto que o comunismo se apresentava como uma exigência da consciência cristã. As condições do tempo e seu estado não lhe permitiram outra voz que a póstuma, se elevando de um manuscrito elaborado no segredo de um casa paroquial camponesa, que ele serviu de 1689 até a sua morte. Ele deixou, para a estupefação daqueles que não suspeitavam desta vida dupla, sua Memória, na qual o defunto cura precisou, no subtítulo, que ele havia escrito “para ser endereçado aos seus paroquianos após a sua morte (...)”. Ele deixou igualmente as Cartas aos curas da vizinhança, nas quais ele se desvendou, notas marginais sobre a Demonstração da existência de Deus, de Fénelon, e pregações manuscritas, das quais perdemos o rastro. Em 1734-1735 a Memória entrou nos circuitos de difusão clandestina, nos quais se pode assegurar que ela foi importante. É em 1762 que Voltaire publica o Extrato dos sentimentos de Jean Meslier, precedido do Resumo da vida do autor, e mutila o pensamento materialista, ateu e socialista de Meslier, ao qual Voltaire impõe em particular uma conclusão deísta. É assim que ele será ― mal ― conhecido, a ponto de não se hesitar no século XIX publicar no seu nome O bom senso, de Holbach. É impossível expormos aqui o detalhe da história da edição das obras de Meslier e dos problemas que ela levanta; reportamo-nos a este muito bom prefácio do senhor Desné, sólido e completo, no qual, por exemplo, podemos ler com interesse a história dos manuscritos da Memória.

O senhor Jean Deprun se empenhou em Meslier philosophe. O projeto filosófico de Meslier é coerente, pois trata-se de fundar a autonomia do mundo revelada pela física cartesiana: por um lado rejeita a metafísica cartesiana, e em particular critica a ideia de perfeição, por outro lado a reabilitação da ideia de natureza, a qual será compreendida num sentido dinamista. Em suma, trata-se de combater o criacionismo e de expor o materialismo. E toda a obra de crítica política e social de Meslier está subordinada à crítica necessária da religião, que é inseparável da crítica da metafísica da qual se alimenta a religião. O senhor Deprun estima que se viu demais em Meslier um gassendista, ainda que sua física seja a de Descartes, despojada de toda teologia. Ele retém do cartesianismo o que se adapta ao seu empreendimento ateu, ele rejeita “a teologia cartesiana em nome mesmo da física dos Princípios”, mas a reajustando à sua necessidade, graças às noções aristotélicas ou escolásticas que se parecem muito com as formas substanciais. Em teoria do conhecimento Meslier é igualmente cartesiano: confiança nas ideias claras. Ele está muito próximo de Malebranche, mas o expurga de toda referência a Deus. Ele dissocia as ideias de infinito e de perfeito, o que lhe permite inverter a prova ontológica ― que ele aceita ― da existência de Deus: a ideia do ser infinito contém a sua existência necessária, mas este ser infinito não é outro senão a matéria. Se o projeto de Meslier é coerente, suas teorias, que ele extrai de fontes variadas, não o são sempre. Ele se aproxima, por exemplo, da escolástica para insistir no empirismo, alternadamente segue Malebranche e dele se separa. Mas nós não poderíamos reprovar demais tudo isso em Meslier, que não repugnou em se medir com a filosofia, refugiado na sua solidão das Ardenas, sem vínculo com nenhum dos focos do pensamento da sua época, não contando senão com o seu raciocínio, suas lembranças de estudo e alguns livros.

O último prefácio é assinado pelo senhor Albert Soboul: A crítica social diante do seu tempo. Se Meslier atacava a religião no front ideológico, ele fez o mesmo no front social. Não podemos dissociar seu pensamento comunista do seu ateísmo, e seu pensamento em geral da sua crítica à sua época, a qual lhe impôs limites. Em sua crítica social, Meslier não estabelece laços entre estruturas sociais e economia. A desigualdade das condições sociais não pode vir senão da desigualdade dos bens fundiários, sem nenhuma menção aos bens mobiliários. Essas limitações da crítica social são as limitações da época e não do próprio Meslier. Do mesmo modo, ele não apreende o mecanismo de exploração social, mas denuncia a opressão fiscal do Estado. Ele critica a monarquia absoluta e aqueles que a caucionam (privilegiados, cortes de justiça) e prega a violência contra eles, mas ainda o senhor Soboul nos convida a não introduzirmos nessa linguagem da época o que nós imaginamos nela ver. Meslier propõe não a partilha igual, mas a comunidade dos bens, para um gozo comum desses bens, e a comunidade e a igualdade dos deveres; o utopismo tradicional transparece contudo aqui e lá, por exemplo, na ordem social sugerida. Em suma, Meslier decorre do comunismo agrário, do igualitarismo camponês, e não ainda do socialismo industrial; o senhor Soboul vê nele menos um revolucionário puro do que um profeta da revolução.

Meslier deixou três cópias autografadas de sua Memória. O senhor Desné apresenta aqui a mais completa, com indicação das variantes dos capítulos mais significativos. A ortografia foi respeitada, ainda que ela não seja regular, pois ela revela a cultura do autor. Regras sensatas foram adotadas quanto aos outros problemas colocados pelo estabelecimento do texto, pois não se tratava de fazer paleografia. Foram mitigados assim os usos próprios de Meslier por correções de bom senso. Boas notas, fac-símile e reproduções de documentos originais acompanham o primeiro volume desta edição, que é compreendida em três; o interesse suscitado pelo primeiro nos faz esperar que ela se completará rapidamente.
 
 
In: Revue Philosophique de Louvain. Quatrième série, tome 69, n°2, 1971. pp. 297-299.
 
Fonte:https://www.persee.fr/doc/phlou_0035-3841_1971_num_69_2_5609_t1_0297_0000_1


Nota do tradutor ― Agradeço imensamente ao senhor Jean-Pierre Deschepper e à Revue Philosophique de Louvain pela gentileza de permitirem esta tradução.
 

28/09/24

Informe sobre a tradução de Jean Meslier


 por Paulo Jonas de Lima Piva

Uma tradução séria de uma obra reflexiva é um trabalho de ourives, isto é, uma iniciativa que requer muito conhecimento e muita habilidade, tempo e paciência, ainda mais se o objeto da tradução for a Memória dos pensamentos e sentimentos de Jean Meslier, um livro volumoso, do início do século XVIII, repleto de raciocínios e longas citações de terceiros.

Empolgado pela vontade de realizar uma tradução completa para o português da Memória de Meslier, o Grupo de estudos sobre o ateísmo da UFABC projetou tal trabalho, porém, num momento de lucidez diante do tamanho do projeto, resolveu sabiamente, por ora, não levá-lo adiante.

23/08/24

Súmula das resoluções da reunião de balanço de um ano de grupo realizada em dia 23 de agosto de 2024



1) Continuação do grupo: após um ano de existência, todos os membros do grupo decidiram manter o grupo de pesquisa em atividade, pois consideram o grupo útil e relevante.

2) Tradução de Jean Meslier: o grupo decidiu traduzir a Memória de Meslier. Os interessados em traduzir Meslier o farão individualmente, pela ordem, parte depois de parte da obra, começando pelo título e "Avant-propos". Cada um dos interessados traduzirá seguindo a ordem do sumário da Memória, e ao mesmo tempo. À medida que cada um for concluindo a tradução das partes segundo a ordem, o grupo será comunicado. Quando todos os interessados em traduzir tiverem traduzidos a parte da vez, discutiremos em grupo a tradução de todos em busca de uma fusão, e assim continuaremos a fazer com as outras partes.

3) Seminário: o grupo decidiu manter a realização dos seminários quinzenais, desta vez tendo como núcleo Deus, um delírio, de Richard Dawkins, escolhido em maioria de votação. O primeiro seminário sobre o livro ocorrerá em 20 de setembro de 2024, às 20 horas. O seminário será divulgado no site e nas redes sociais da ANPOF. Paulo Piva ficará com o primeiro seminário, que consistirá na apresentação dos prefácios e do capítulo 1 do livro.

4) Seção "Biblioteca ateísta": outra frente de trabalho do grupo será a Biblioteca ateísta, eventos esporádicos que consistirão em apresentações de livros relevantes sobre o ateísmo, num encontro de duas horas. O primeiro encontro dessa seção será realizado no dia 27 de setembro de 2024, às 20 horas, tendo como livro selecionado Ateísmo, uma breve introdução, de Julian Baggini, e o palestrante será Rafael Augusto de Assis.

5) Discussão de trabalhos: o grupo também funcionará como banca de avaliação de trabalhos de membros do grupos, como projetos, material de qualificação, artigos, etc

6) Recesso: o grupo entrará em recesso de um mês e voltará a se reunir em 20 de setembro de 2024, sexta-feira, às 20 horas, com o primeiro seminário sobre Deus, um delírio.

20/08/23

Objetivo e atividades do "Grupo de estudos sobre o ateísmo da UFABC/CNPq"


O "Grupo de estudos sobre o Ateísmo da UFABC" é um núcleo de pesquisa criado em agosto de 2023, ligado ao programa de filosofia da Universidade Federal do ABC (UFABC), registrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e coordenado por Paulo Jonas de Lima Piva, doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Seu objetivo teórico é estudar de forma rigorosa o ateísmo, isto é, como conceito, como interpretação cosmológica, ética e política da realidade, como corrente histórica do pensamento, bem como entender mais precisamente suas relações com o ceticismo e, sobretudo, com as ideias e as experiências históricas de laicidade, tolerância e democracia.

Do ponto de vista prático, o objetivo deste grupo é reunir pesquisadores de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado que tenham como tema de suas pesquisas acadêmicas o ateísmo.

O trabalho concreto do grupo consistirá em quatro atividades principais: 1) realização de seminários quinzenais on line sobre obras e textos produzidos por pensadores ateus ao longo da história; 2) traduzir textos sobre o ateísmo ainda não existentes em português; 3) oferecer cursos on line gratuitos sobre ateísmo para o público não especializado; 4) realizar encontros sobre o ateísmo com pesquisadores do assunto.

Os pesquisadores com projeto acadêmico de pesquisa em ateísmo interessados em participar das atividades do grupo, favor entrar em contato pelo e-mail paulo.piva@ufabc.edu.br, enviando o link do Currículo Lattes.

Crédito da foto ilustrativa: Pexels